Brasília, 7 de novembro de 2025 – Na interseção entre o poder político e as urgências sociais, a Câmara dos Deputados se tornou o palco de um novo embate que promete reverberar nos corredores do Congresso e além. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), surpreendeu o Palácio do Planalto ao designar o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP) como relator do Projeto de Lei Antifacção – uma das bandeiras prioritárias do governo Lula no enfrentamento ao crime organizado.
A decisão de Motta não é trivial. Derrite, que recentemente se licenciou do cargo de Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo, é um nome fortemente ligado ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), figura que desponta como um dos potenciais candidatos à presidência em 2026. A escolha, segundo fontes do governo, “frustra as expectativas” e “contamina o debate com objetivos eleitoreiros”, como declarou Gleisi Hoffmann, Ministra de Relações Institucionais. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), foi ainda mais incisivo, classificando a movimentação como um “desrespeito” ao presidente Lula, beirando a “provocação”.
O cerne da discórdia reside nas visões distintas sobre o combate às facções criminosas. Enquanto o governo Lula defende um texto que “não ajudaria no combate ao crime organizado e pode ser um risco à soberania nacional” nas palavras da Ministra Hoffmann, Derrite, apoiado pelo Centrão, promete acatar os principais pontos governamentais, mas com “mudanças”. As alterações propostas pelo relator endurecem significativamente as penas: de 20 a 40 anos de prisão para crimes como “domínio de cidades”, “novo cangaço” e ataques a carros-fortes e presídios, com aumento para as lideranças. Além disso, propõe a obrigatoriedade de cumprimento de pena em presídios de segurança máxima para líderes, vedação à anistia, graça, indulto e liberdade condicional, e corte do auxílio-reclusão. A progressão de regime também seria elevada, de 40% para 70% a 85% em casos de reincidência com resultado morte.
O projeto, que visa equiparar facções criminosas a terroristas e tornar a participação em organizações como o Comando Vermelho um crime hediondo, ganhou celeridade após a letal operação no Rio de Janeiro, que Lula posteriormente qualificou como uma “matança” e “desastrosa” do ponto de vista da ação do Estado, apesar do alto número de mortes. Essa declaração do presidente, somada à escolha de Derrite, adiciona uma camada de complexidade e tensão à discussão sobre segurança pública no país.
Para Alice Drummond, do D-Taimes, a questão vai além da mera legislação. “A escolha de Derrite é um movimento estratégico que expõe as fissuras e os arranjos de poder em Brasília. O PL antifacção, uma pauta urgente para a sociedade brasileira, está sendo atravessado por interesses eleitorais e uma disputa por protagonismo na agenda da segurança pública. A pergunta que se impõe é: qual o custo político e social de transformar uma pauta essencial em um campo de batalha para 2026?”, questiona a analista.
As propostas de Derrite também miram o sistema prisional, propondo monitoramento por vídeo em visitas a membros de facções e a transferência excepcional de presos em caso de risco. Embora a PEC da Segurança também esteja em tramitação, com previsão de votação na comissão especial para 4 de dezembro, a atenção se volta agora para a capacidade de articulação do governo diante de um relator que, embora prometa diálogo, já sinaliza alterações substanciais que podem divergir da visão original do Planalto. O Senado, contudo, só deve analisar o tema no próximo ano, o que dá tempo para que as negociações nos bastidores se intensifiquem e as estratégias políticas se reconfigurem.
