Olá, leitores do D-Taimes! Aqui é Alice Drummond, e hoje trago uma análise que toca em uma ferida antiga da nossa política: a blindagem dos privilégios em Brasília, mesmo diante de condenações que abalam a confiança pública.
A notícia, fria e factual, revela que o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado e sob prisão, continuará a embolsar sua aposentadoria de R$ 41.563,98 da Câmara dos Deputados. Um montante significativo, garantido por anos de mandato parlamentar, que persiste intocável por uma brecha legal que parece desenhada para proteger a si mesma: não há previsão expressa de cassação da aposentadoria em caso de condenação criminal. Entretanto, a Câmara dos Deputados afirma que não há decisão judicial que conteste o pagamento a Bolsonaro e outros ex-deputados.
Para o cidadão comum, que vê seu salário corroído e sua previdência ameaçada, a notícia soa como um escárnio. Como é possível que o poder judiciário condene, mas o sistema político se mostre incapaz (ou relutante) em aplicar as devidas consequências financeiras a seus antigos membros? A cientista política Luciana Santana, da Ufal, sintetiza bem o que muitos de nós desconfiamos: “A aposentadoria continua sendo paga para esses casos porque os tomadores de decisão são corporativos e não aprovam a punição em caso de cometimento de crime e sentença condenatória”. Uma declaração que escancara a lógica de autoproteção que impera nos corredores do poder.
O caso de Bolsonaro não é isolado, o que torna a situação ainda mais sintomática de uma cultura política arraigada. Roberto Jefferson, condenado em 2024 por incitar violência contra autoridades, cumpre prisão domiciliar e recebe mais de R$ 32 mil da Câmara. José Dirceu e José Genoíno, ambos ex-deputados petistas, também acessaram o benefício. Dirceu, condenado na Lava Jato em 2016, teve a aposentadoria da Câmara aprovada em 2017, com direito a valores retroativos após suas condenações serem anuladas pelo STF. Genoíno, condenado no Mensalão, também recebe um valor expressivo. Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, aposentou-se em 2013, ano em que foi preso pelo Mensalão, e ainda recebe o benefício. São nomes que, em diferentes momentos, personificaram crises éticas e escândalos políticos no Brasil, e que, apesar de tudo, mantêm seus proventos.
É verdade que, a partir de 2019, a aposentadoria parlamentar foi extinta, e os novos congressistas agora se submetem ao regime do INSS ou de suas categorias de origem. Contudo, essa mudança, embora um avanço, não resolve o problema do passado e do presente, onde o sistema se mostra leniente com aqueles que já se beneficiaram de regras mais brandas. Bolsonaro também mantém uma pensão como capitão reformado do Exército, embora sua remuneração como presidente de honra do PL tenha sido suspensa em razão da condenação por golpe de Estado.
Afinal, qual a mensagem que o Estado envia ao cidadão quando a condenação por graves crimes, incluindo atos contra a democracia, não se traduz em uma perda substancial de privilégios financeiros adquiridos no serviço público? Essa é uma questão que ultrapassa a figura de qualquer político e atinge o cerne da ética pública e da transparência. O compromisso do D-Taimes é continuar questionando e desvelando essas dinâmicas, para que o poder seja, de fato, descomplicado e a accountability se torne uma realidade para todos.
