Brasília, DF – O embate legislativo em torno do combate ao crime organizado no Brasil ganha novos contornos no Senado Federal. Após uma tramitação acalorada na Câmara dos Deputados, o projeto, rebatizado de “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado no Brasil”, chega à casa revisora sob a batuta do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que já sinaliza a necessidade de ajustes substanciais, principalmente no que tange ao crucial financiamento da Polícia Federal.
Em um cenário onde as dinâmicas entre o poder político e as instituições de segurança pública se entrelaçam com desafios econômicos e sociais, a análise do senador Vieira aponta para uma lacuna preocupante. Em entrevista recente, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, quantificou a demanda em cerca de R$ 800 milhões para a proteção de fronteiras – um investimento que, como bem ponderou Vieira, embora pareça vultoso, representa uma fração ínfima do fundo eleitoral ou dos benefícios fiscais e isenções concedidas no país. É uma inversão de prioridades que merece ser questionada: o custo da inação contra o crime organizado pode ser infinitamente maior do que o investimento preventivo.
A versão aprovada na Câmara, sob a relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), propôs uma nova destinação para os bens apreendidos em investigações. Enquanto os recursos oriundos de operações da PF seriam canalizados para o Fundo Nacional de Segurança Pública, os de autoridades locais iriam para os fundos estaduais, com divisão em casos de operações conjuntas. Contudo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública já alertou para um impacto de R$ 360 milhões nos fundos de segurança pública, uma medida que, em vez de fortalecer, pode desguarnecer as instituições. Essa é uma preocupação que vai além da burocracia, afetando diretamente a capacidade de resposta do Estado contra o crime.
Além da questão financeira, a coerência jurídica do texto é outro ponto de atrito. A criação da expressão “organização criminosa ultraviolenta” por Derrite, embora com a intenção de caracterizar “facção criminosa”, não foi bem recebida pelo governo. O Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, prevê um “caos jurídico” devido à sobreposição com a legislação já existente desde 2013, que trata das organizações criminosas. Tal redundância legal poderia abrir caminho para inúmeros recursos judiciais, travando a efetividade dos processos e, em última instância, beneficiando as próprias facções.
Apesar das críticas e da necessidade de revisão, o senador Alessandro Vieira reconheceu que o projeto “avançou bem” em relação às suas versões iniciais, elogiando a retirada de classificações como “narcoterroristas” e a manutenção da competência da Polícia Federal. Esse é um passo importante para evitar a criminalização excessiva e o esvaziamento de uma instituição fundamental.
O processo legislativo no Senado incluirá audiências públicas para ouvir especialistas e partes interessadas, antes de seguir para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, posteriormente, para o Plenário. Quaisquer alterações de mérito, mesmo que pontuais, implicarão no retorno do texto à Câmara, prolongando o debate.
É lamentável observar a “disputa de narrativas” entre governo e oposição, que, segundo Vieira, consome um tempo precioso que deveria ser dedicado à construção de um texto legal robusto e eficaz. A mudança do nome original “PL Antifacção” para “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado no Brasil” na Câmara, vista por muitos como uma tentativa de apagar as “digitais” do governo do projeto, ilustra a polarização que, por vezes, se sobrepõe à busca por soluções concretas para os graves problemas de segurança pública que afligem o cidadão comum. É imperativo que os legisladores deixem de lado as querelas políticas e se concentrem em construir um marco legal que realmente proteja a sociedade brasileira.
