Como Alice Drummond, repórter e analista do D-Taimes, mergulho nas entranhas da política brasileira, e a análise de Alberto Aggio sobre o Partido dos Trabalhadores (PT) oferece um prisma instigante para desvendar as complexas dinâmicas que moldam nosso cenário. Longe de um julgamento superficial, Aggio nos convida a compreender o “transformismo” petista não como uma derrocada moral, mas como a própria fibra constituinte de sua cultura política.
O Transformismo Petista: Mais que Desvio, uma Essência
O professor Alberto Aggio, em sua obra “A construção da democracia no Brasil, 1985–2025” (FAP/Annablume, 2025), desafia a visão comum de que o PT teria se “desvirtuado” de suas origens contestatórias ao se institucionalizar. Para ele, o transformismo – a absorção de forças subalternas pelas elites dirigentes, na leitura gramsciana – não é um desvio, mas sim a raiz e a evolução da cultura política petista. Essa perspectiva desloca o debate da moralidade (pureza versus adaptação) para a análise dos mecanismos de produção de legitimidade.
O PT, surgido no final dos anos 1970 em um contexto de abertura política e crise de paradigmas, articulou o “novo sindicalismo”, cristãos de esquerda e ex-guerrilheiros, além de movimentos sociais e intelectuais. Sua retórica radical de defesa dos interesses populares conviveu, desde o início, com a aposta estratégica na via eleitoral e institucional. Essa aparente ambiguidade, segundo Aggio, não é episódica, mas o motor de seu crescimento e sua longevidade como partido de massas.
As Três Dimensões da Cultura Política Petista
A análise de Aggio estrutura a cultura política petista em três dimensões interligadas:
O Rechaço à Política e a Antipolítica: Na sua gênese, o PT forjou uma crítica moral à política vigente, criando a dicotomia “nós” (o povo puro e honesto) versus “eles” (os políticos corruptos). Essa postura “antipolítica” serviu como um operador simbólico de diferenciação e um potente recurso de mobilização. Direcionou-se contra os governos democráticos pós-1985, criticando a eleição de Tancredo Neves, a Constituição de 1988 e o Plano Real. Mesmo com a ascensão do partido ao poder, essa dimensão não desapareceu, ressurgindo em momentos de crise, como no “Mensalão” e na “Lava Jato”, para reafirmar uma suposta pureza moral.
A Economia do Afeto: O segundo pilar é a construção de um vínculo emocional entre a liderança (Lula), o partido e “os de baixo”. A empatia e o reconhecimento recíproco substituem a mediação ideológica clássica, fundamentando uma lealdade política baseada em afetos e identificações simbólicas. Essa dimensão se traduz materialmente no assistencialismo de políticas públicas e na preocupação com a elevação da renda popular. O vínculo afetivo, personificado em Lula, mantém-se como base de resiliência política, mesmo em períodos de desgaste.
A Cultura da Escolha Racional: Consolidada com o sucesso eleitoral do partido a partir dos anos 1990, essa dimensão vê a via eleitoral não como tática, mas como estratégia exclusiva de transformação social. O cálculo político-eleitoral e a governabilidade tornam-se princípios de legitimação. Vencer eleições e governar se sobrepõem a retóricas de ruptura. Essa racionalidade, aliada à economia do afeto, concedeu ao PT uma flexibilidade ímpar para negociar alianças e cooptar atores de centro e direita, neutralizando potenciais concorrentes.
Impactos e Legado para a Democracia Brasileira
O “transformismo” do PT, portanto, não é uma falha, mas uma forma de ação política que lhe deu plasticidade e poder. A autodefinição de Lula como uma “metamorfose ambulante” reflete essa capacidade de adaptação. Contudo, Aggio ressalta que essa mesma plasticidade, embora tenha dado força ao PT e ao lulismo, também é a razão direta de suas fragilidades e limites.
O social sempre foi uma trincheira para o PT atacar o político, tratando a democracia como um fato natural, e não como uma construção multifacetada. Compreender o transformismo petista é, para Aggio, compreender a forma específica pela qual o Brasil viveu – e continua a viver – sua experiência democrática, marcada por essa interação ativa, mas que, paradoxalmente, bloqueou a construção de uma hegemonia capaz de “virar do avesso” a política brasileira.
Em suma, a análise de Alberto Aggio nos força a questionar narrativas simplistas e a aprofundar a compreensão sobre como o poder é exercido e legitimado em nosso país, um exercício essencial para o jornalismo que busca contextualizar e descomplicar as complexas engrenagens que impactam o dia a dia do cidadão comum.
