Brasília, D-Taimes – Decretos e sanções presidenciais raramente passam sem análises profundas no D-Taimes, especialmente quando tocam em questões sensíveis que moldam o tecido social e a forma como o poder se comunica com o cidadão. Nesta semana, a sanção presidencial da Lei nº 15.263, que proíbe o uso da chamada ‘linguagem neutra’ na redação de textos de órgãos e entidades da administração pública em todas as esferas federativas, trouxe à tona uma série de reflexões.
A lei, que também institui a Política Nacional de Linguagem Simples para o governo, foi publicada na edição de segunda-feira (17) do Diário Oficial da União. Em seu cerne, o artigo 5º impede a administração pública de “usar novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa” que contrariem as regras gramaticais consolidadas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e o Acordo Ortográfico. A intenção é clara: manter a uniformidade e a aderência às normas oficiais da língua portuguesa.
A linguagem neutra, que busca adaptar o gênero em palavras (como “todes” em vez de “todos”, ou “todxs”), tem sido empregada como um pronome neutro para se dirigir a pessoas não binárias – aquelas que não se identificam exclusivamente com o gênero masculino ou feminino. Segundo linguistas, essa é uma “tentativa de uso inclusivo” que, embora não faça parte das normas oficiais, reflete uma evolução social e uma busca por maior representatividade em certos círculos.
Contudo, a mesma legislação que veda a linguagem neutra também estabelece parâmetros para tornar os comunicados do governo mais simples e acessíveis à população. Orientações como a elaboração de frases curtas e o uso de vocabulário comum, de fácil compreensão, são previstas. Além disso, em um ponto crucial para a inclusão, o texto exige que, em comunicados às comunidades indígenas, além da versão em língua portuguesa, “deverá ser publicada, sempre que possível, versão na língua dos destinatários”.
Como analista do D-Taimes, é imperativo questionar a dinâmica por trás dessa sanção. A proibição da linguagem neutra, embora justificada pela ‘não conformidade’ com as normas gramaticais vigentes, entra em um debate social e identitário fervoroso. Seria esta uma medida meramente técnica, ou um posicionamento político em uma discussão que divide a sociedade? A desburocratização e a simplificação da linguagem governamental são objetivos louváveis e urgentes, que impactam diretamente o dia a dia do cidadão comum, facilitando o acesso à informação e aos serviços públicos. No entanto, ao vincular essa simplificação à proibição de uma forma de linguagem que busca ser inclusiva, o governo caminha sobre uma linha tênue.
A administração pública tem o dever de ser clara e compreensível, mas também de refletir e, em alguma medida, responder às demandas sociais por maior reconhecimento e respeito à diversidade. A exclusão da linguagem neutra dos documentos oficiais pode ser interpretada por uma parte da população como um sinal de desalinhamento com as pautas de inclusão e direitos identitários, mesmo que o foco oficial seja a padronização e a clareza. A grande questão é: como equilibrar a necessidade de uma comunicação clara e padronizada com a crescente demanda por uma linguagem que contemple a pluralidade de identidades em nossa sociedade? O impacto dessa lei, para além das normativas gramaticais, será sentido nas percepções e na confiança dos cidadãos na máquina pública.
