Licença-Paternidade Ampliada: Um Avanço Tímido Diante da Persistente Desigualdade no Cuidado Infantil
Por Alice Drummond, D-Taimes
Brasília celebrou a aprovação do Projeto de Lei 3935/2008, que estabelece o aumento gradual da licença-paternidade para até 20 dias. Um movimento, à primeira vista, louvável. No entanto, em uma análise mais aprofundada para o D-Taimes, questionamos: seria esse avanço suficiente para redefinir as dinâmicas de cuidado infantil e aprofundar a igualdade de gênero no Brasil? Especialistas apontam que, embora a iniciativa seja um progresso, ela ainda se mostra tardia e aquém das necessidades para desafiar a arraigada estrutura patriarcal do país.
A socióloga e psicanalista Marta Bergamin, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, é categórica em sua avaliação: a nova legislação pouco altera a condição das mulheres como principais – ou únicas – cuidadoras de bebês e crianças. “No Brasil, a gente tem muito estabelecido ainda papéis masculinos e femininos muito marcados,” explica Bergamin. “Eles estão marcados na sociabilidade geral, mas também estão marcados especialmente no mercado de trabalho. As mulheres cuidam das crianças, dos bebês, e os homens estariam mais voltados a atividades públicas, como o mundo do trabalho e a política.” Para a socióloga, a ampliação do envolvimento paterno no cuidado é crucial não apenas para o desenvolvimento infantil e a formação de vínculos, mas também para desmistificar a ideia de que o cuidado é uma responsabilidade predominantemente feminina. A realidade brasileira, com suas características patriarcais e machistas, continua a ser um obstáculo significativo, especialmente quando comparada a países europeus, onde licenças parentais mais extensas e compartilháveis já são uma realidade há décadas.
O sociólogo e futuro pai Rafael da Costa ecoa a cautela. Embora comemore a aprovação como um avanço, ressalta o atraso do Brasil em relação a discussões já maduras na Europa, citando o modelo alemão de licença parental de três anos, que pode ser dividida entre os pais. Sua principal preocupação, contudo, reside na aplicabilidade da lei: “A lei é para quem é CLT. Quem está fora deste vínculo, ela não se aplica na prática. Num país de elevada informalidade, essa lei pode não ter o efeito desejado. Esse é um ponto importante de atenção.” Essa lacuna pode, paradoxalmente, aprofundar desigualdades para aqueles em empregos precários, que mais necessitam de apoio.
Do ponto de vista econômico, o economista Euzébio Sousa oferece uma perspectiva igualmente crítica e esperançosa. A extensão da licença-paternidade, para ele, tem um impacto positivo relevante no mercado de trabalho, atuando como um sinalizador crucial. “A desigualdade de acesso ao trabalho ainda penaliza fortemente as mulheres, que recebem salários menores, enfrentam maiores barreiras de progressão e são mais expostas a vínculos precários”, afirma Sousa. Ele argumenta que ao incluir os pais nas atividades de cuidado nos primeiros dias e, idealmente, meses de vida do bebê, a sociedade e o mercado de trabalho passam a entender que “tanto homens quanto mulheres estão igualmente sujeitos a se afastar do trabalho por responsabilidades familiares”. Dessa forma, a medida combina justiça social e estratégia de desenvolvimento econômico, fomentando a produtividade e redefinindo o cuidado como uma responsabilidade coletiva.
É importante notar que alguns setores já pavimentam esse caminho. A categoria dos bancários de São Paulo, Osasco e região, por exemplo, garantiu o direito à licença-paternidade de 20 dias há quase uma década, através da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) de 2016. “A ampliação da licença-paternidade foi uma grande conquista do movimento sindical bancário. Ela é benéfica para os pais e para as crianças, que passam a contar com mais tempo de interação e cuidado. Além disso, ela contribui com uma melhor divisão entre homens e mulheres nas obrigações parentais,” destaca Neiva Ribeiro, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
Em suma, a nova licença-paternidade de 20 dias é um passo na direção certa, um reconhecimento tardio da necessidade de maior envolvimento paterno. Contudo, como repórter e analista do D-Taimes, vejo que a verdadeira transformação exige mais do que uma extensão modesta. É preciso combater os estereótipos de gênero, ampliar a proteção a todos os trabalhadores, formalizados ou não, e, acima de tudo, fomentar uma cultura onde o cuidado com a próxima geração seja, de fato, uma responsabilidade compartilhada e valorizada por toda a sociedade. Somente assim poderemos construir um país mais justo, equitativo e produtivo para todos.
