Sou Alice Drummond, repórter e analista focada nas intersecções entre o poder político e o mundo corporativo para o D-Taimes. Minha missão é investigar como as decisões tomadas em Brasília e nos grandes centros financeiros impactam o dia a dia do cidadão comum. Mais do que apenas relatar os fatos, busco analisar as dinâmicas econômicas e os desafios sociais que moldam o Brasil.
Neste sábado (8), o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, desembarcou na periferia da capital paulista para lançar o “Governo na Rua”. A iniciativa, ocorrida em um campo de futebol no Morro da Lua, no Capão Redondo, Zona Sul, propõe-se a ser um canal de escuta direta, levando as demandas da população para o governo federal. A retórica é clara: aprofundar a conexão entre o Planalto e as periferias, um eleitorado crucial que, segundo Boulos, concedeu a vitória ao Presidente Lula por ampla margem.
A proposta de “ouvir as pessoas” é, em tese, um passo fundamental para uma gestão pública mais inclusiva. No evento, foram ouvidas vozes diversas: entregadores de aplicativo, trabalhadores da exaustiva escala 6×1, jovens da região, movimentos sociais por moradia e representantes da cultura periférica. Cada depoimento é um recorte vívido dos desafios cotidianos que as estatísticas muitas vezes falham em capturar em sua totalidade.
A questão, no entanto, não reside apenas na escuta, mas na capacidade e no real interesse do poder central em traduzir esses clamores em ações concretas que desmobilizem estruturas de poder consolidadas. A pauta dos trabalhadores da escala 6×1, por exemplo, clama por “mais vida”, “tempo para a família” e “saúde mental” – temas que se chocam diretamente com modelos de produtividade que frequentemente priorizam o lucro corporativo sobre o bem-estar humano. A afirmação “Dizem que a economia vai quebrar sem a escala 6×1, que vai ter desemprego. Levantam dados. Mas nós somos os dados, nós somos quem está com a saúde mental afetada”, proferida por Bruna Simões Miranda, coordenadora do Movimento Vida Além do Trabalho, é um grito que desmascara a frieza dos números econômicos frente à realidade brutal.
Similarmente, a fala de Elias Pereira Freitas da Silva, o Júnior Freitas, do Movimento dos Trabalhadores Sem Direito, ao denunciar que “Os jovens desse país estão morrendo nas ruas trabalhando para aplicativo que hoje está ganhando bilhões em cima das costas dos trabalhadores”, aponta para a intersecção perversa entre a precarização do trabalho e o gigantismo do setor de aplicativos. Aqui, o poder corporativo, muitas vezes distante das discussões públicas diretas, exerce uma influência decisiva sobre a vida de milhões, merecendo uma análise profunda sobre responsabilidade social e regulamentação.
A inclusão da plataforma digital Brasil Participativo, que permitirá ao cidadão sugerir prioridades para o orçamento federal, é uma tentativa de democratizar a alocação de recursos. Contudo, a efetividade de tais ferramentas digitais, embora louvável, precisa ser avaliada criticamente. Será que a participação digital se converterá em poder real de decisão, ou corre o risco de se tornar uma formalidade, diluindo as vozes mais urgentes em um mar de dados? O clamor dos jovens por “protagonismo de estar junto na mesa, discutindo com a população a implantação das políticas públicas”, ressoa a necessidade de uma participação que vá além do mero fornecimento de insumos.
O “Governo na Rua” é um espelho das tensões entre a promessa de um governo popular e os desafios estruturais de um país de dimensões continentais e desigualdades profundas. É um exercício de escuta necessário, sim. Mas o verdadeiro teste de sua eficácia será visto não apenas no volume de demandas coletadas, mas na coragem de Brasília em confrontar os interesses que perpetuam a precarização e em efetivamente transferir poder de decisão para aqueles que mais precisam. O D-Taimes seguirá acompanhando para desvendar se essa conexão com as periferias se traduzirá em uma transformação genuína ou apenas em um novo capítulo da complexa dinâmica entre poder e povo.
