Por Alice Drummond, D-Taimes
Novembro se instala com sua aura festiva e, por vezes, superficial, onde as discussões sobre a causa negra correm o risco de se perder em narrativas “instagramáveis”. Enquanto muitos se apressam em destacar parentes distantes ou amigos da infância para afirmar uma conveniente ligação com a questão racial, a realidade das periferias e grotas de Alagoas, terra de Palmares, continua a expor uma juventude preta que tem sua autoestima e dignidade escalpeladas diariamente. A percepção social ainda carrega o fardo de que jovens negros são “elementos suspeitos” desde o berço, e a intolerância religiosa de matriz africana segue violentando crianças em seus direitos.
É neste cenário de contrastes que a gestão do prefeito João Henrique, em Maceió, sanciona a Lei que estabelece o dia 16 de maio como o Dia Municipal de Almerinda Farias Gama. Articulada por Arisia Barros dentro do Programa “Maceió é Massa Sem Racismo”, da Prefeitura, esta é, até o momento, a única política antirracista de peso implementada pela administração. Almerinda Farias Gama, a ilustre sufragista maceioense, é uma figura monumental na luta pelo voto feminino e pioneira entre as mulheres negras na política brasileira – uma história que, lamentavelmente, permanece desconhecida para muitos em sua própria terra.
A iniciativa, formalizada pelo Projeto de Lei 22 de 2024 (de autoria associada a Olivia Tenório), busca não apenas honrar e resgatar a memória de Almerinda, mas também celebrar seu legado e reconhecer sua importância na história nacional. É, sem dúvida, um feito a ser aplaudido e um passo importante na afirmação de identidades e na construção de narrativas mais justas.
No entanto, a atuação de uma jornalista focada na intersecção entre poder político e os desafios sociais exige um olhar além da celebração. A sanção desta lei, embora meritória, serve também como um lembrete contundente da lacuna ainda existente na formulação e implementação de políticas públicas efetivas de combate ao racismo estrutural. O “Dia de Almerinda Gama” não pode ser um ponto final, mas sim um novo ponto de partida para a cobrança e a exigência de um ativismo constante.
É imperativo que este mês de novembro sirva para além das postagens e dos discursos. É o momento de reivindicar e exigir do poder público a materialização de políticas vitais e urgentes. O clamor para que o prefeito João Henrique sancione o Conselho Municipal para Igualdade Racial, por exemplo, ressoa como um eco necessário de um compromisso que precisa ir além do simbólico e se enraizar na estrutura da gestão pública. Somente assim, o legado de Almerinda Farias Gama será verdadeiramente honrado e a luta antirracista ganhará a força e a profundidade que as Alagoas e todo o Brasil tanto necessitam.
