Em meio ao barulho incessante das redes sociais e ao calor dos debates que frequentemente pintam um Brasil dividido em dois campos irreconciliáveis – eleitores de Lula e de Bolsonaro –, um estudo aprofundado vem para desafiar essa narrativa. Conduzido pela think tank More in Common, em parceria com a Quaest, e abrangendo 10 mil brasileiros, o levantamento revela uma realidade política muito mais matizada e, em grande parte, silenciosa.
A principal descoberta é a existência de um vasto contingente, cerca de 54% da população, denominado “invisíveis”. Longe dos holofotes da polarização, esse grupo se destaca por não se alinhar automaticamente a pautas progressistas ou conservadoras. Eles transitam com pragmatismo, apoiando valores de ambos os espectros, e rejeitam a exaustiva “guerra cultural” que domina o noticiário político.
O Perfil dos “Invisíveis”: Pragmatismo à Frente
Quem são esses “invisíveis” que, juntos, superam em muito a soma dos eleitores considerados “radicais” de esquerda e direita (apenas 11% do total)? São, em sua maioria, os cidadãos mais pobres e menos escolarizados, cujas preocupações diárias se concentram na busca por bons serviços públicos: segurança, empregos e saúde de qualidade.
Para esse segmento da população, a política não é um embate ideológico, mas um campo de soluções concretas para seus problemas. Eles observam as falhas do sistema de saúde e da educação pública, compreendem os desafios do governo, mas evitam o engajamento político público por considerarem um “campo minado” expressar opiniões em um ambiente tão polarizado. A participação é baixa: não compartilham notícias, não debatem ativamente com amigos e família, e comparecem menos a protestos. Contudo, o estudo ressalta que eles não são despolitizados, possuindo “elaborações políticas muito consistentes” e uma visão pragmática voltada para a melhoria do serviço público.
Repercussões Eleitorais para 2026
A existência de um grupo tão volumoso e, ao mesmo tempo, não polarizado, tem repercussões diretas para o cenário eleitoral de 2026. Como aponta Pablo Ortellado, professor da USP e diretor da More in Common, “há uma constatação de que existe um espaço para alternativas”. A mobilização desses “invisíveis” dependerá da habilidade dos candidatos em oferecer projetos que ressoem com suas demandas por soluções e pragmatismo, e não com a retórica polarizada.
É fundamental entender que esse grupo não se define como “centrista” no sentido tradicional. Suas posições são variadas, podendo inclinar-se a favor de pautas mais conservadoras em segurança pública e, ao mesmo tempo, serem mais progressistas em direitos humanos, sem um padrão ideológico rígido.
A Guerra Cultural e a Distorção da Realidade
A pesquisa também lança luz sobre a dinâmica da “guerra cultural”. Enquanto os eleitores dos polos ideológicos – progressistas e conservadores – são altamente coerentes em seus alinhamentos e energicamente mobilizados, o que os faz parecer uma maioria no debate público, a realidade é outra. O progressismo, por exemplo, é demograficamente “diferentão”: mais rico, mais escolarizado e menos cristão, segundo o estudo. Essa desconexão social, por vezes, é explorada em discursos populistas que acusam essa elite de tentar impor valores a um povo supostamente conservador.
No outro extremo, os conservadores, mais religiosos e tradicionalistas, encontram eco em pautas que se aproximam mais do sentimento geral da população. A percepção de que as instituições são dominadas por progressistas alimenta a desconfiança em relação à Justiça, universidades e imprensa, com o WhatsApp se tornando uma fonte primária de informação para muitos.
Em suma, o estudo da More in Common e Quaest não apenas desmistifica a ideia de um Brasil irremediavelmente cindido, mas também aponta para a oportunidade de um jornalismo e uma política que busquem entender as necessidades reais e o pragmatismo de uma maioria silenciosa. A capacidade de ouvir e propor soluções que transcendam a polarização será o verdadeiro desafio para quem almeja liderar o país.
