CPI dos Combustíveis: Entre a “Gerência Zero” do Sindipetro e o Fantasma do Cartel em João Pessoa
Por Alice Drummond, D-Taimes
Em um cenário onde a volatilidade dos preços dos combustíveis se tornou uma preocupação constante para o cidadão comum, a Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) mergulhou na investigação de uma suposta cartelização entre postos da capital paraibana. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Combustíveis, instalada para clarear essas dinâmicas, ouviu nesta quarta-feira (5) o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo da Paraíba (Sindipetro-PB), em um depoimento que buscou, acima de tudo, desvendar os meandros de um mercado complexo e muitas vezes opaco.
O presidente do Sindipetro-PB, Omar Hamad, foi o protagonista da sessão, enfrentando uma bateria de questionamentos dos vereadores. A principal indagação girou em torno do aumento abrupto de R$ 0,40 no preço da bomba de combustível em agosto, que gerou indignação e levantou suspeitas na população de João Pessoa. Hamad, em sua defesa, adotou uma linha de “gerência zero” por parte do sindicato no que tange à precificação.
“Como Sindipetro, não temos cartilha ou orientação sobre preços para ninguém, porque nós somos ‘gerência zero'”, afirmou Hamad. Ele explicou que o “paralelismo de preços” observado em João Pessoa seria parte de um “modus operandi” nacional, onde “ninguém quer ter o preço mais barato”. Em uma tentativa de resguardar a imagem dos empresários locais, o presidente destacou que as redes de postos da capital pertencem a “empresários paraibanos bem conceituados”, qualificando-os como “homens de bem” e refutando a ideia de um “conluio para tentar lesar a população”. Curiosamente, ele ainda argumentou que João Pessoa está entre as capitais com os preços mais acessíveis, uma afirmação que gerou, sem dúvida, reflexões entre os parlamentares e a sociedade.
A função institucional do Sindipetro também foi colocada em xeque. Omar Hamad ressaltou o papel do sindicato em representar a categoria, mantendo os empresários atualizados sobre legislações de meio ambiente, Procon e direito de concorrência, sempre com a ressalva de que a discussão de preços é expressamente proibida. Ele citou a atuação do sindicato na manutenção do abastecimento da Petrobras no Porto de Cabedelo e na garantia de que hospitais e órgãos públicos não fossem desabastecidos durante a greve dos caminhoneiros, ações que, segundo ele, demonstram o compromisso da entidade com o setor e a sociedade. A média de lucro bruto nos postos associados, de acordo com Hamad, nunca ultrapassou 10%.
A preocupação com a infiltração do crime organizado no setor de combustíveis, um tema levantado por vereadores como Fábio Carneiro e Jailma Carvalho, também foi abordada. Hamad foi enfático ao afirmar que, em João Pessoa, não há conhecimento de produto adulterado ou de envolvimento de esquemas ilícitos. Ele se contrapôs a uma declaração anterior do presidente da Federação Nacional de Comércio de Combustíveis e Derivados, James Thorp, que havia apontado a atuação de organizações criminosas no setor. Para Hamad, a fala de Thorp referia-se a outros estados, não à Paraíba, garantindo que o mercado local é composto por “homens de bem” e que os órgãos de investigação são vigilantes.
No entanto, a complexidade da cadeia de preços e a aparente uniformidade entre os postos continuam sendo pontos críticos. Questionado sobre a falta de grande diferença de preços, mesmo com tantas variáveis na composição do valor final, Hamad reiterou que os postos são o “último elo da cadeia” e o que menos influencia o preço. Ele admitiu não ter gerência sobre negociações entre revendedores e distribuidoras, nem acesso à frequência de alterações de preços por parte destas.
O vereador Marcos Henriques (PT) provocou ao questionar o impacto de uma eventual redução de 10% no preço da gasolina pelo Governo Federal, e Hamad confirmou que tal medida beneficiaria apenas distribuidoras ligadas à Petrobras, deixando as demais com preços separados, o que sublinha a dicotomia do mercado. A tensão na sessão atingiu um pico quando o presidente da CPI, Mikika Leitão (Republicanos), confrontou Hamad com uma denúncia anterior do próprio Sindipetro-PB ao Procon Estadual, em 2022. Na ocasião, o presidente havia relatado que distribuidoras bloqueavam os canais de pedido após anúncios de aumento da Petrobras, sugerindo uma prática que contraria a livre concorrência.
O depoimento do Sindipetro-PB trouxe luz a alguns aspectos do funcionamento do mercado de combustíveis em João Pessoa, mas também deixou uma série de pontos para aprofundamento. A defesa veemente dos empresários locais e a negação de cartelização se chocam com a persistente percepção pública de preços padronizados e aumentos sincronizados. A CPI tem o desafio de ir além das aparências, investigando as reais dinâmicas entre distribuidoras e postos, e a influência do poder corporativo sobre o bolso do consumidor paraibano.
