Por Alice Drummond, D-Taimes
A Cúpula do Clima em Belém, evento que antecede a aguardada COP30, tem se tornado um palco de debates que transcendem as discussões climáticas e se aprofundam nas intersecções entre poder político, economia e o impacto no cidadão comum. Após a inicial e controversa exclusão de alimentos típicos da culinária paraense – uma decisão posteriormente reconsiderada –, a atenção da imprensa e do público se voltou para os preços praticados nos quiosques e restaurantes oficiais, especialmente na chamada “Zona Azul”, área de acesso restrito às negociações e à imprensa.
Relatos de jornalistas e negociadores internacionais trouxeram à tona valores que beiram o surreal: latas de água por R$25 e um único pão de queijo por R$30. Embora a organização da COP30, sob responsabilidade da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), justifique os preços pela base em dólar do aluguel dos espaços – comparável ao de um quiosque de shopping –, a disparidade com a realidade econômica local e brasileira é gritante. Essa dinâmica financeira, que privilegia a lógica de um evento internacional em detrimento da acessibilidade e da valorização da produção regional, levanta sérias questões sobre a coerência entre a mensagem de sustentabilidade e as práticas comerciais adotadas.
Em meio a essa perplexidade, surge uma alternativa que resgata a essência de um evento focado no futuro do planeta: o restaurante da Sociobio, localizado próximo à entrada da Zona Azul, no Centro de Convenções Hangar. Em uma parceria entre a Central do Cerrado e a Rede Bragantina, esta iniciativa oferece uma refeição completa por modestos R$40. O que a torna ainda mais notável é a composição do cardápio: 70% a 80% dos alimentos são agroecológicos, oriundos diretamente da agricultura familiar de diversos biomas brasileiros.
Luis Carrazza, da Central do Cerrado, enfatiza a relevância dessa proposta: “É a opção de alimentação mais alinhada com os propósitos da COP30. O cardápio é feito com produtos agroecológicos, agroextrativistas e orgânicos de organizações da agricultura familiar de todos os biomas brasileiros”. A promessa é de um banquete sustentável: por R$40, o cliente pode servir-se à vontade (uma única vez), com direito a suco e sobremesa à vontade.
Lucia Reis, da Rede Bragantina, reforça a importância da iniciativa: “Acredito que seja muito importante a gente oferecer durante o evento opções que sejam saudáveis, que sejam boas para quem planta, boas para quem consome e, especialmente, alimentos que sejam bons para o planeta”. Com a expectativa de servir 120 mil refeições, o restaurante da Sociobio não é apenas um ponto de alimentação, mas um manifesto vivo em favor de sistemas alimentares justos e sustentáveis.
A diferença de valores e propostas entre os estabelecimentos da “Zona Azul” e o restaurante da Sociobio não é apenas uma questão de preço, mas um reflexo da tensão entre os interesses corporativos globalizados e a necessidade premente de promover um desenvolvimento inclusivo e verdadeiramente sustentável. A lição de Belém é clara: a pauta climática exige coerência em todas as suas esferas, desde as grandes negociações até o prato de comida que alimenta seus participantes.
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