A Amazônia em Chamas: O Crescimento Alarmante de Estupros e o Domínio das Facções Sobre Corpos Femininos
Por Alice Drummond, D-Taimes
A Amazônia Legal se tornou um epicentro de uma crise humanitária e de segurança pública que exige a mais urgente atenção do poder político e da sociedade. Um levantamento recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado nesta quarta-feira (19) joga luz sobre um cenário estarrecedor: em 2024, a região registrou 13.312 casos de violência sexual, uma taxa de 90,4 casos a cada 100 mil habitantes – um número 38% superior à média nacional. No coração dessa tragédia, o estado do Amazonas viu seus registros de estupro saltarem 41% em um ano, evidenciando a escalada da barbárie.
Mais do que a frieza dos números, a quarta edição do estudo “Cartografias da Violência na Amazônia” revela uma dinâmica perversa: o avanço das facções criminosas – com destaque para o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) – que, na ausência efetiva do Estado, expandem seu controle não apenas sobre territórios, mas sobre as vidas e, chocantemente, sobre os corpos femininos.
A Lógica do Domínio e a Relativização da Violência
A pesquisa aponta que quase metade dos municípios da Amazônia Legal sofre com a presença dessas facções. E a influência vai muito além das atividades ilícitas tradicionais. O estudo identificou, por meio de entrevistas com moradores, que esses grupos passaram a impor “normas de comportamento” às mulheres, independentemente de estarem ou não ligadas ao crime organizado. É um poder paralelo que se manifesta de forma brutal na esfera privada, subjugando a autonomia e a dignidade das mulheres.
A pesquisadora Isabella Matosinhos, do FBSP, sublinha a complexidade do fenômeno, ressaltando a vulnerabilidade das mulheres em áreas de fronteira onde a presença estatal é precária. Mas há um ponto ainda mais sombrio: a “lógica masculina” dentro dessas facções, que distorce a percepção da violência sexual. Em suas palavras, “se um homem, faccionado ou não, comete uma violência sexual, será que é claro que isso é uma violência sexual?” Essa indagação expõe a internalização de uma cultura de impunidade e desumanização, onde o estupro não é reconhecido como tal pelos perpetradores, mesmo com o risco de retaliação no sistema prisional.
O Vácuo do Estado e o Preço Pago pelas Mulheres
A disparada nos índices de estupro na Amazônia não pode ser vista como um fenômeno isolado. É o reflexo cristalino de um vácuo de poder preenchido pela criminalidade organizada. Onde o Estado falha em prover segurança, justiça, educação e oportunidades, as facções prosperam e impõem suas próprias leis, tendo as mulheres como alvos preferenciais de sua brutalidade e controle.
Esta realidade exige uma análise crítica e profunda das políticas públicas para a região. Não se trata apenas de reforçar a segurança ostensiva, mas de reconstruir a presença do Estado em todas as suas dimensões: investindo em infraestrutura, promovendo desenvolvimento social e econômico sustentável, garantindo acesso à justiça e, fundamentalmente, implementando ações que empoderem as mulheres e desmantelam as estruturas de poder que permitem essa subjugação.
A Amazônia não pode ser apenas um tema de discurso ambiental; é um território de vida humana onde a dignidade está sob ataque. O silêncio ou a inação diante do avanço da violência sexual e do controle faccionado sobre as mulheres é uma falha moral e política que atinge o cerne da nossa democracia e dos direitos humanos. O D-Taimes seguirá de perto a evolução desse quadro, questionando o poder e buscando as vozes que lutam por um futuro mais justo e seguro na maior floresta tropical do mundo.
