Por Alice Drummond, D-Taimes
Brasília, 29 de novembro de 2025 – A trajetória do General Augusto Heleno, antes um pilar da cúpula militar e figura central no Planalto, culminou em uma condenação de 21 anos de prisão, expondo as profundas fissuras entre o poder fardado e a política civil no Brasil. Em uma análise que vai além dos fatos da detenção, o D-Taimes investiga as raízes ideológicas e as motivações pessoais que levaram um dos mais influentes militares da última década a flertar com a subversão democrática.
A premissa que parece ter guiado Heleno, e outros militares de alta patente envolvidos na trama golpista, era a de uma intrínseca superioridade técnica e moral da caserna sobre a ‘política suja’ dos ‘homens de terno e gravata’. Essa distorcida percepção não apenas fomentou o desprezo pelas instituições democráticas, mas também pavimentou o terreno para a crença de que atalhos institucionais seriam justificáveis em nome de um ‘verdadeiro interesse nacional’. Tal ideologia ecoa uma interpretação revisionista da história, que nega o golpe de 1964, a ditadura militar subsequente e a ruptura democrática representada pelos eventos de 8 de janeiro.
Dois episódios emblemáticos iluminam essa mentalidade. Em 2008, ainda na ativa como Comandante Militar da Amazônia, Heleno publicamente criticou a política indigenista do governo Lula, ao qual era submisso hierarquicamente. A punição foi imediata: o sonho de comandar a Força foi substituído por um posto discreto no Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército. Anos mais tarde, em 2018, já como ministro de Jair Bolsonaro, seu desdém pelos políticos civis se manifestou abertamente ao descrever o Centrão – grupo que viria a ser parte da base de apoio de seu próprio governo – com a infame frase: ‘se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão’. Essas passagens não são meras anedotas; são janelas para a profunda desconsideração que o general nutria pela classe política, mesmo ao integrar-se a ela.
O general acreditava poder transcender as engrenagens da política tradicional, buscando subverter seus mecanismos por dentro. Isso incluiu a extrapolação das prerrogativas da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para espionar adversários, a disseminação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral e a sabotagem da transição de governo após a derrota nas urnas. Tais atos, conforme a acusação, são manifestações de uma ambição que, turbinada por vaidade e arrogância, levou a atitudes crescentemente insubordinadas. Conforme fontes próximas, Heleno e seus pares teriam entrado na trama com a ilusão de ‘controlar, civilizar e manipular Bolsonaro’, um líder que, ironicamente, mostrou-se imune a qualquer tipo de controle ou moderação. A simplicidade da análise de um civil que conviveu no meio militar resume: “Ele se acha mais inteligente que os outros”.
A ironia final surge com a revelação, durante o exame de corpo de delito, de que Heleno sofreria de Alzheimer desde 2018. A notícia, que surpreendeu até mesmo pessoas próximas que com ele estiveram em 2023, levanta questionamentos sobre a credibilidade da alegação. Como um militar com uma condição tão debilitante poderia ter ocupado posições de tamanha responsabilidade e destaque sem que ninguém percebesse os impactos da doença? A medicina, por certo, trará clareza, mas o impacto político da reivindicação é inegável: um homem que construiu sua imagem pública na base da dureza e inabalabilidade agora busca na fragilidade uma via para atenuar as consequências de seus atos.
A história do General Heleno é um dossiê sobre os perigos da antipolítica e da crença na superioridade moral como justificativa para a quebra do Estado de Direito. Em um país que busca solidificar sua democracia, a queda de figuras como Heleno serve como um lembrete crítico de que o respeito às regras do jogo democrático não é uma opção, mas a própria essência de uma nação justa e livre. As decisões tomadas em Brasília e seus desdobramentos na justiça impactam diretamente a confiança do cidadão comum nas instituições.
