Brasília, 23 de novembro de 2025 — A recente audiência de custódia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) trouxe à tona uma narrativa incomum e complexa, que mescla o universo da saúde mental com as intricadas dinâmicas do poder político. Conforme apurou o D-Taimes, Bolsonaro alegou ter sofrido “alucinações” e “certa paranoia” em decorrência do uso de medicamentos, o que o teria levado a uma tentativa inusitada de remover sua tornozeleira eletrônica com um ferro de solda. Este episódio, revelado na ata da audiência, não apenas choca pela peculiaridade, mas também impõe uma análise aprofundada sobre as implicações de tais alegações no contexto político e judicial do país.
Segundo o depoimento do ex-presidente, a confusão mental teria se manifestado aproximadamente quatro dias após iniciar o uso de pregabalina, um anticonvulsivante também prescrito para ansiedade, e sertralina, um antidepressivo. A justificativa para a ação de tentar violar o dispositivo de monitoramento, na visão de Bolsonaro, foi uma “alucinação” de que a tornozeleira possuía uma escuta. A defesa técnica do ex-presidente informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a medicação foi suspensa por sua equipe médica, que teria confirmado um “quadro de transtorno” e “confusão mental e alucinações”, supostamente induzido pela pregabalina, prescrita por outra profissional sem o conhecimento do time principal.
Para aprofundar a questão, o D-Taimes consultou especialistas. Marcelo Polacow, presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP) e doutor em farmácia pela Unicamp, corrobora a possibilidade de tais efeitos adversos. “Os dois medicamentos têm reações adversas que podem causar alucinação”, explica Polacow. A sertralina atua inibindo a recaptação da serotonina, e seu mecanismo pode, dependendo da sensibilidade individual, desencadear alucinações. Já a pregabalina, que age sobre o neurotransmissor glutamato, pode provocar disfunções no sistema glutamatérgico, um dos mecanismos associados à alucinação.
Polacow enfatiza que fatores como a dose administrada, o horário da tomada e a interação com alimentos ou outros fármacos podem exacerbar esses riscos. O farmacêutico ainda notou que a voz de Bolsonaro em vídeo referente ao incidente demonstrava “característica de embargo, de lentidão nas respostas”, o que, em sua análise, são indicativos de uso de substância psicoativa, embora ressalve que sua conclusão é “no campo da suposição” e que um exame toxicológico seria ideal para verificar uma dosagem excessiva.
A psiquiatra Natasha Ganem, formada pela UERJ, reforça a visão de seu colega. Segundo ela, a combinação de sertralina e pregabalina, embora geralmente segura sob supervisão médica, pode “precipitar sintomas neuropsiquiátricos graves, incluindo alucinações”, em certas situações clínicas. Ganem destaca que a pregabalina possui um histórico documentado de indução de episódios psicóticos, especialmente durante a retirada abrupta, um risco que pode ser amplificado quando associado a um antidepressivo. No entanto, ela salienta que a maioria dos pacientes que utilizam esses medicamentos não experimenta tais efeitos.
O incidente com a tornozeleira eletrônica ocorreu pouco antes da prisão preventiva de Bolsonaro, com o sistema gerando um alerta de “violação” à 0h07 do dia anterior à sua detenção. Na audiência, o ex-presidente afirmou ter interrompido a tentativa de remoção “quando caiu na razão” e que teria comunicado o ocorrido aos agentes de custódia.
A audiência de custódia em questão, realizada virtualmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não adentrou o mérito das acusações contra Bolsonaro, focando-se apenas na legalidade da prisão e na garantia de seus direitos fundamentais e integridade física e psicológica. A decisão sobre a manutenção da prisão caberá à Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino, que analisará o caso em sessão virtual programada para amanhã.
Este episódio, para além das suas ramificações legais imediatas, lança luz sobre a complexidade da saúde de figuras públicas e a necessidade de um olhar crítico e informado sobre as informações que permeiam o debate político. A intersecção entre a saúde pessoal, a política e o sistema judicial exige um jornalismo que, como o D-Taimes, busca desvendar as camadas do poder, contextualizando fatos e ouvindo as diferentes perspectivas para oferecer uma análise completa e responsável.
