Alice Drummond, repórter e analista do D-Taimes, direto de Brasília.
A intersecção entre o poder político e as engrenagens da justiça nunca foi tão palpável quanto no desfecho recente que abalou os corredores do Congresso. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, acionou um alerta máximo ao decretar, nesta sexta-feira (21), a prisão preventiva do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Mais do que um mero trâmite judicial, esta decisão expõe as fragilidades e as tentativas de desmonte do nosso arcabouço democrático.
A apuração da Polícia Federal (PF) trouxe à luz um roteiro que desafia a transparência e a legalidade. Ramagem, ex-delegado da PF e ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, deixou o país de forma clandestina em setembro, justamente no mês em que se desenrolavam os julgamentos do núcleo central dos atos golpistas. A rota de fuga, segundo os investigadores, foi meticulosamente traçada: um voo até Boa Vista (RR), estado onde Ramagem tem ligações do passado, seguido por uma travessia terrestre irregular para um país vizinho – possivelmente Venezuela ou Guiana – antes de seu paradeiro final nos Estados Unidos, onde foi avistado em um condomínio de luxo em North Miami.
A manobra para mascarar sua ausência em Brasília incluiu a apresentação de atestados médicos à Câmara dos Deputados, cobrindo um período extenso de setembro a dezembro. Contudo, a teia de disfarces começou a se desfazer quando o próprio parlamentar, em um ato que beira o insólito, solicitou à Câmara a ativação do roaming internacional em seu celular funcional. O objetivo? Participar de votações remotamente, expondo de forma irrefutável que exercia o mandato do exterior, sem qualquer missão oficial autorizada, em clara violação às normas da Casa.
A prisão preventiva, acolhida por Moraes, não é apenas uma resposta à fuga, mas também um desdobramento das graves acusações de que Ramagem teria utilizado a estrutura da Abin para monitorar ilegalmente adversários políticos e orquestrar ataques ao sistema eleitoral brasileiro. Tais atos, se confirmados, representam um atentado direto à espinha dorsal da nossa democracia. O processo, ainda em fase de recursos, já impunha medidas cautelares que impediam a saída do deputado do país, tornando sua fuga uma afronta ainda maior ao sistema de justiça.
O pedido de prisão, reforçado também pelo PSOL, não se restringe apenas ao caso Ramagem, mas levanta a preocupação com o risco de fuga de outros investigados e a necessidade de medidas mais robustas para garantir a extradição e a accountability dos envolvidos. Este episódio ressalta, de forma contundente, a importância de um jornalismo que não apenas relata, mas que questiona as dinâmicas de poder, aprofunda as investigações e contextualiza os desafios sociais e econômicos que moldam o Brasil. A justiça, por vezes lenta, mas necessária, busca agora garantir que a impunidade não prevaleça e que o respeito às instituições democráticas seja restaurado.
