Em um cenário político onde cada vírgula legislativa é disputada, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP) apresentou, na noite desta quarta-feira, a quarta versão de seu parecer sobre o Projeto de Lei Antifacção. Esta é uma proposta-chave do governo Lula (PT) para a segurança pública, e a movimentação de Derrite não é um mero ajuste técnico, mas sim o reflexo de intensas negociações e pressões que revelam as complexas intersecções entre o poder político e as demandas por segurança que afetam diretamente o cidadão comum.
As versões anteriores do relatório de Derrite foram alvo de críticas contundentes tanto de integrantes do governo quanto de especialistas na área. A pressão, vinda também de governadores de direita e de uma multiplicidade de partidos, levou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a adiar a votação para a próxima terça-feira, dia 18, sinalizando a necessidade de maior consenso ou, no mínimo, de um alinhamento mais aprofundado.
Um dos pontos de maior atrito, e agora de recuo por parte de Derrite, referia-se ao financiamento das atividades da Polícia Federal. Na versão anterior, o relator propunha que os bens apreendidos de facções e milícias fossem destinados exclusivamente a fundos estaduais e distritais de segurança pública, deixando a PF de fora. Para o Ministério da Justiça, tal medida representaria uma ”’descapitalização”’ da corporação, minando sua capacidade operacional no combate ao crime organizado – uma preocupação legítima, afinal, a efetividade da PF é vital para desmantelar redes criminosas que atuam em escala nacional e transnacional, cujos tentáculos se estendem até os grandes centros financeiros e as comunidades mais vulneráveis. Agora, o parecer contempla a destinação desses bens ao Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal, desde que o crime esteja sob sua alçada investigativa. Uma vitória, ainda que parcial, para a autonomia e capacidade de resposta da instituição.
Ainda mais sensível é a questão da tipificação penal. Derrite havia ousado substituir a expressão ”’facção criminosa”’ por um conceito mais genérico: ”’domínio social estruturado”’. A equipe do Planalto alertou para a confusão que a nova nomenclatura poderia gerar, dificultando a compreensão jurídica e popular do tipo penal, além de criar uma indesejável redundância com a Lei das Organizações Criminosas já existente. A ausência de uma revogação expressa da legislação anterior traria consigo o risco de insegurança jurídica, um cenário caótico para o sistema de Justiça. No mais recente parecer, Derrite retorna ao termo ”’facção criminosa”’, mas introduz a ”’organização criminosa ultraviolenta”’ para, em tese, contornar a sobreposição de leis. Para essas novas ”’organizações ultraviolentas”’, a pena proposta seria de 20 a 40 anos de prisão, um salto considerável em relação aos três a oito anos previstos para as organizações criminosas convencionais.
No entanto, a mudança não dissipou as críticas. Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, não poupou palavras, classificando a nova categoria de Derrite como ”’improvisação conceitual sem fundamento jurídico”’. Para Farias, tais invencionices enfraquecem a política criminal, confundem os operadores do Direito e ”’mascaram o objetivo real: desfigurar a proposta técnica e consistente do Executivo”’. Em sua visão crítica, o parecer se torna um ”’amontoado de conceitos vazios e dispositivos contraditórios”’.
Este é um exemplo claro de como a legislação, por mais urgente que seja em sua intenção de combater o crime, é moldada por uma complexa teia de interesses políticos, interpretações jurídicas e a eterna busca por equilíbrio de poder. A clareza e a aplicabilidade de leis como o PL Antifacção são fundamentais para que o cidadão sinta, em seu dia a dia, o impacto de um Estado capaz de garantir sua segurança. Os recuos de Derrite indicam uma flexibilidade necessária, mas as críticas persistentes sinalizam que o caminho para um consenso robusto e juridicamente inquestionável ainda é longo e repleto de desafios. O D-Taimes seguirá acompanhando de perto essas articulações, pois as decisões tomadas em Brasília reverberam diretamente na vida de milhões de brasileiros.
