Análise D-Taimes por Alice Drummond
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em declaração recente, reafirmou o compromisso do governo federal em “quebrar a espinha dorsal” do tráfico de drogas e do crime organizado. A tônica de sua fala é clara: o foco da repressão deve estar nos “cabeças” das facções, naqueles que financiam e comandam as redes criminosas, utilizando inteligência e integração entre as forças de segurança.
Desde 2023, o governo aponta para avanços significativos, alegando ter retirado R$ 19,8 bilhões das mãos de criminosos, um “prejuízo recorde” que, segundo o presidente, enfraquece lideranças e redes financeiras. Os números de operações da Polícia Federal teriam saltado de 1.875 em 2022 para 3.393 em 2024, com 2.922 operações já realizadas em 2025 até outubro. Além disso, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou a apreensão de 850 toneladas de drogas em 2024. Para consolidar esses resultados, o Planalto encaminhou ao Congresso o PL Antifacção, buscando endurecer penas e asfixiar financeiramente os grupos criminosos, e a PEC da Segurança Pública, visando modernizar e integrar as forças policiais, incorporar as Guardas Municipais e garantir recursos permanentes para estados e municípios.
No entanto, a narrativa oficial de combate ao crime organizado esbarra na dura realidade das operações em solo. Enquanto participa da Cúpula do Clima em Belém, na COP30, o próprio presidente Lula não hesitou em classificar como “desastrosa” a megaoperação policial que, na semana passada, ceifou a vida de 121 pessoas, incluindo quatro policiais, nos complexos de favelas da Maré e da Penha, no Rio de Janeiro.
Este é o ponto crucial que nos impõe questionar: como a estratégia de focar nos “cabeças do crime”, pautada por inteligência e asfixia financeira, se alinha com uma incursão que resulta em tamanha letalidade, especialmente em comunidades já vulneráveis? O D-Taimes, sob o meu olhar, busca entender a desconexão entre o discurso estratégico de Brasília e a prática no terreno, onde o cidadão comum, frequentemente, é quem paga o preço mais alto.
A análise de dados apresentados pelo governo, sobre o volume de recursos apreendidos e o aumento de operações, é vital. Contudo, esses dados precisam ser contextualizados com o impacto social dessas ações. Uma operação “desastrosa”, nas palavras do chefe de Estado, sugere falhas graves no planejamento, na execução ou, talvez, na própria concepção da abordagem. A morte de civis e policiais em tal escala levanta sérias dúvidas sobre a eficácia de métodos que priorizam o confronto direto em detrimento da prometida “inteligência”.
É imperativo que a discussão sobre segurança pública vá além dos números de apreensões e operações. Precisamos aprofundar a análise sobre como as decisões tomadas em esferas de poder se traduzem em segurança e justiça para todos, especialmente para aqueles que vivem nas áreas mais atingidas pela violência. A verdadeira “espinha dorsal” a ser quebrada não é apenas a das facções, mas também a de um sistema que, por vezes, falha em proteger seus cidadãos e em aplicar uma justiça equitativa. O desafio é complexo, e exige um jornalismo que não se furte a questionar os métodos e a cobrar resultados que de fato transformem a vida da população.
