A Teia do Poder Local: Metade da Câmara de Mossoró Mobilizada Pelo Projeto Eleitoral da Primeira-Dama
Por Alice Drummond, D-Taimes
Mossoró, o segundo maior colégio eleitoral do Rio Grande do Norte, se tornou palco de um intrincado tabuleiro político onde as peças se movem em função das próximas eleições estaduais. No centro dessa movimentação está a pré-candidatura da primeira-dama Cinthia Pinheiro (PSD) ao cargo de deputada estadual, um projeto que conta com o engajamento massivo de metade dos vereadores do município. A dinâmica levanta questões cruciais sobre a intersecção entre o poder executivo local, a representatividade legislativa e as ambições políticas de longo prazo.
A Máquina em Prol do Projeto Familiar
Dos 21 vereadores que compõem a Câmara Municipal de Mossoró, impressionantes 10 já declararam apoio à primeira-dama. Nomes como Genilson Alves (presidente da Câmara), Raério Araújo, Lucas das Malhas e Tony Cabelos, do União Brasil; Kayo Freire, João Marcelo e Wlademir Cabelo de Negro, do PSD; Thiago Marques e John Kenneth, do Solidariedade; e Dr. Cubano, do PSDB, formam o que o Palácio da Resistência – sede da Prefeitura – espera que seja um “batalhão” nas ruas, assegurando uma “votação histórica” para Cinthia Pinheiro.
A estratégia é uma clara demonstração do peso político do prefeito Allyson Bezerra (União Brasil). Após sua reeleição em 2024 com uma votação expressiva de 113.121 votos (78,02% dos válidos), Bezerra projeta para sua esposa uma marca superior a 40 mil votos, considerada natural dada a sua popularidade. Contudo, o que se observa é um azeite da máquina pública municipal, onde a estrutura de poder é mobilizada para sustentar uma campanha familiar, levantando ponderações sobre a equidade do pleito e a despersonalização do voto.
Entre Alianças e Desafios: A Estratégia do Prefeito para o Governo do RN
A influência do prefeito Allyson Bezerra vai além do projeto de sua esposa. Numa manobra política calculada, ele tem negociado o apoio de alguns de seus vereadores a outros candidatos à Assembleia Legislativa. O objetivo é claro: pavimentar o caminho para sua própria pré-candidatura ao governo do Rio Grande do Norte, buscando alianças em regiões fora de Mossoró.
Exemplos dessa teia complexa incluem o vereador Petras Vinícius (PSD), que, mesmo eleito com o apoio da primeira-dama em 2024, foi “liberado” para apoiar o deputado Kleber Rodrigues (PSDB), em uma aposta de retribuição eleitoral futura. Da mesma forma, Alex do Frango (líder da bancada governista) e Ricardo de Dodoca, ambos do União Brasil, foram direcionados para o deputado estadual Neilton Diógenes (PP), que, em contrapartida, promete o apoio do prefeito de Apodi, Sabino (MDB), a Allyson. O vereador Vavá (REDE) apoiará Ivanilson Oliveira (em trânsito para o MDB), e o apoio de Ozaniel Mesquita (União) está sendo negociado com o ex-prefeito de Assú, Dr. Gustavo Soares (PP).
Essas articulações revelam um pragmatismo político que busca maximizar o capital eleitoral do grupo governista, mas também expõem a fragilidade de ideologias partidárias diante de interesses eleitorais.
O Dissidente e as Fissuras na Base Aliada
Nem todos, porém, seguem a cartilha do Palácio da Resistência. O vereador Wignis do Gás (União Brasil) emergiu como a voz destoante na bancada governista. Em uma clara desobediência às orientações do prefeito, Wignis anunciou seu apoio à reeleição do deputado estadual Ivanilson Oliveira e, de forma mais contundente, à pré-candidatura da primeira-dama de Natal, Nina Souza (União), à Câmara dos Deputados.
A escolha de apoiar Nina Souza é um ato de notável desafio, visto que ela pertence a uma facção do União Brasil que se opõe à candidatura de Allyson Bezerra ao governo, aliada ao senador Rogério Marinho (PL). A motivação de Wignis reside em um sentimento de abandono e preterimento após as eleições de 2024, atribuindo sua reeleição a Ivanilson Oliveira e não ao prefeito. Sua postura revela as tensões internas e as rachaduras que podem surgir em bases aliadas, especialmente quando as promessas pós-eleitorais não são cumpridas.
Reflexões sobre Poder, Ética e Representatividade
O cenário político de Mossoró é um microcosmo das dinâmicas de poder que permeiam a política brasileira. A mobilização da estrutura municipal para impulsionar um projeto eleitoral familiar, a teia de alianças e trocas de apoio, e a dissidência de um vereador que se sente marginalizado são elementos que merecem profunda reflexão.
A jornalista Alice Drummond, do D-Taimes, questiona: qual o limite entre a articulação política legítima e o uso da máquina pública para fins eleitorais? Onde reside a ética quando o capital político de um prefeito é diretamente transferido para a campanha de um parente próximo? E como essas manobras afetam a representatividade e a confiança do cidadão no processo democrático, especialmente em um contexto de eleições municipais e estaduais?
A complexidade das relações políticas em Mossoró é um lembrete contundente de que, por trás dos números e das estratégias, há um impacto direto na governança, na transparência e, em última instância, no dia a dia da população. O D-Taimes continuará a observar de perto os desdobramentos dessa teia política, buscando sempre aprofundar a análise e contextualizar os fatos para desmistificar o poder.
