Brasília, D-Taimes – A intersecção entre o poder político e as práticas corporativas no Brasil ganhou um novo capítulo que merece a mais rigorosa análise. Em um movimento que acende um sinal de alerta sobre a transparência e a integridade do sistema judicial e administrativo, o ministro André Mendonça, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pediu vista e suspendeu, em agosto, o julgamento que decidiria sobre a cassação do governador de Roraima, Antônio Denarium (PP). A medida ocorreu em um cenário controverso: meses antes, em março, o governo roraimense havia desembolsado R$ 273 mil em um contrato sem licitação com o Instituto Iter, fundado pelo próprio ministro Mendonça.
A revelação, inicialmente do jornal O Globo e confirmada pelo UOL, joga luz sobre uma dinâmica preocupante. O governador Denarium, reeleito em 2022, já havia enfrentado quatro cassações em nível estadual por abuso de poder político e econômico durante as eleições. A ministra Isabel Galloti, relatora do caso no TSE, votou pela cassação imediata do governador. No mesmo dia, Mendonça, que já era ministro do TSE desde junho de 2024, requisitou o processo para análise, pausando a decisão por tempo indeterminado após renovar o pedido de vista.
O Nó do Conflito de Interesses
O cerne da questão reside no contrato firmado entre o governo de Roraima e o Instituto Iter. Em fevereiro de 2025, enquanto os recursos de Denarium contra sua cassação já tramitavam no TSE, o Iter foi contratado para ministrar dois cursos a funcionários estaduais. O valor de R$ 273 mil por seis dias de treinamento – uma média de R$ 45,5 mil por dia – é um montante considerável, especialmente por ter sido viabilizado via dispensa de licitação sob alegação de “inexigibilidade”.
A ironia da situação é ainda mais aguda: um dos cursos ofertados pelo Iter abordava justamente a “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos”. Como pode uma secretaria de Licitação e Contratação dispensar um processo licitatório para contratar um curso sobre o tema, e de uma instituição diretamente ligada a um ministro que julgaria o chefe do executivo estadual? A fotografia e biografia de André Mendonça, apresentado como “founder” (fundador) na proposta do Iter, e sua assinatura nos diplomas dos concluintes, reforçam a ligação direta.
A estrutura do Iter também levanta questionamentos. Embora tenha se tornado uma sociedade anônima fechada em outubro de 2024, obscurecendo seus sócios atuais, a empresa de Mendonça era anteriormente uma das parceiras. Outros nomes de peso, com laços com a gestão Bolsonaro, como Victor Godoy (ex-ministro da Educação e atual presidente do Iter), Rodrigo Sorrenti (chefe de gabinete de Mendonça no STF) e Danilo Dupas (ex-presidente do Inep), também integravam a sociedade.
Abuso de Poder e Gastos Eleitorais
A cassação de Denarium em instâncias anteriores se baseou em graves irregularidades nas eleições de 2022. A ministra Galloti, em seu voto, apontou o uso de programas sociais como “Cesta da Família” e “Morar Melhor” como um “engenhoso expediente” para contornar a proibição de iniciar projetos sociais em ano eleitoral, gerando dividendos eleitorais. A ministra destacou um aumento superior a 42 vezes nos gastos do governo de Roraima entre 2021 e 2022, sem contar repasses federais, utilizando uma “falsa calamidade pública” como “subterfúgio para a massiva transferência irregular de recursos com finalidade de benefício eleitoral”. Além disso, as despesas de campanha de Denarium ultrapassaram em 25 vezes o limite legal.
Para agravar o quadro, o Tribunal de Contas de Roraima também contratou o Iter para cursos de oratória, no valor de R$ 54 mil. A ausência de manifestação por parte do ministro Mendonça, do governador Denarium e dos Tribunais, após serem procurados pela reportagem original, apenas adensa as nuvens sobre este caso.
O D-Taimes reitera a necessidade de um jornalismo que aprofunde e contextualize, descomplicando o poder sem abrir mão da análise crítica. O caso de Roraima e o Instituto Iter é um exemplo eloquente de como as decisões em Brasília e nos centros de poder impactam diretamente a credibilidade das instituições e a confiança do cidadão comum no sistema eleitoral e na gestão pública. A sociedade aguarda não apenas o desfecho do julgamento, mas também respostas claras sobre os mecanismos de controle e ética que deveriam reger a atuação de agentes públicos em todas as esferas.