Por Alice Drummond, D-Taimes
A interseção entre poder político e interesses corporativos raramente é tão explícita quanto no recente caso envolvendo o ministro André Mendonça do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o governador de Roraima, Antônio Denarium (PP). O que era para ser um julgamento crucial sobre a cassação do mandato de um governador, agora se transforma em um intrincado enredo que levanta questionamentos profundos sobre ética, transparência e a integridade de nossas instituições.
O Nó Górdio: Contrato, Vista e Suspeita
Em agosto, o ministro André Mendonça surpreendeu ao pedir vista e suspender o julgamento no TSE que decidiria o futuro político de Denarium. O governador já havia tido seu mandato cassado quatro vezes em nível estadual, por abuso de poder político e econômico durante as eleições de 2022, quando foi reeleito. A relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, já havia votado pela cassação imediata, apontando um “engenhoso expediente” de criação de programas sociais em ano eleitoral, “Cesta da Família” e “Morar Melhor”, para benefício próprio. Os gastos do governo de Roraima, segundo o TSE, teriam subido mais de 42 vezes entre 2021 e 2022, com o uso de uma “falsa calamidade pública” como “subterfúgio” para transferências irregulares de recursos.
A suspensão de Mendonça ganha contornos ainda mais preocupantes quando se revela o elo entre o ministro e o governo de Roraima. Em março, o Instituto Iter, fundado por André Mendonça, recebeu R$ 273 mil do governo Denarium por meio de um contrato sem licitação. O objetivo? Ministrar dois cursos de seis dias para funcionários estaduais, um deles ironicamente sobre a “Nova Lei de Licitações”. Vale ressaltar que a contratação ocorreu em fevereiro, quando Mendonça já era ministro do TSE, e o governador Denarium já apresentava recursos contra sua cassação.
O Iter e Suas Conexões
O Iter, que se tornou uma sociedade anônima fechada em outubro de 2024, obscurecendo seus sócios atuais, tinha Mendonça como fundador e sua foto e biografia na proposta enviada ao governo de Roraima. Os diplomas dos cursos, inclusive, eram assinados pelo “Prof. Dr. André Mendonça, Founder”. A presidência do instituto é ocupada por Victor Godoy, ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, período em que Mendonça também atuou como ministro da Justiça antes de ser indicado ao STF. Essa teia de conexões entre figuras políticas de alto escalão, o governo de Roraima e um instituto contratado sem concorrência, no mínimo, levanta uma bandeira vermelha sobre a lisura dos processos.
A Falta de Transparência e o Dano à Confiança Pública
A dispensa de licitação, justificada como “inexigibilidade” pela Secretaria de Licitação e Contratação de Roraima, contrasta com a natureza dos cursos, especialmente um sobre as próprias leis de licitação. O fato de o orçamento ter sido enviado poucas horas após a solicitação por e-mail, em dezembro, e o pagamento ter sido efetuado em março, enquanto o governador enfrentava um processo de cassação no TSE, adiciona uma camada de urgência e questionamento à transação.
A ausência de manifestação de Mendonça e do governador Denarium frente às indagações do UOL só aprofunda a percepção de falta de transparência. Como analista do D-Taimes, é imperativo questionar: até que ponto os laços pessoais e institucionais podem influenciar decisões cruciais que afetam a governabilidade e a justiça eleitoral? A suspensão de um julgamento, sob tais circunstâncias, não apenas atrasa a resolução de um caso de abuso de poder, mas também abala a confiança do cidadão na imparcialidade do sistema judiciário e na ética dos agentes públicos.
Este episódio não é apenas sobre a cassação de um governador ou um contrato sem licitação; é sobre a fragilidade da fronteira entre o público e o privado, entre o dever legal e o interesse pessoal. É um alerta para a necessidade de um escrutínio ainda mais rigoroso sobre as engrenagens do poder e suas interações com o mundo corporativo, garantindo que a justiça prevaleça e que os princípios da administração pública sejam inegociáveis.
